quinta-feira, dezembro 02, 2010


Esse é um pequeno conto que eu escrevi pro que eu espero que um dia seja um livro de contos. Espero que gostem.

“Eu adoro filmes sobre vampiros. Neles, nós sempre somos mostrados como tão durões, mulherengos e assustadores. Temos força sobre-humana, voamos, nos movemos com agilidade fora do comum, podemos nos transformar em morcegos, comandamos lobos e moramos em castelos. Muitos até andam no sol. Ah, como seria bom se a vida de um vampiro de verdade fosse assim. Eu não faço nenhuma dessas coisas, não tenho nenhum superpoder, mal tenho dinheiro pra pagar meu aluguel e nenhuma mulher morre de amores por um cara branquelo e com o rosto cheio de cortes, que não consegue se barbear sem se machucar desde que não tem mais reflexo no espelho. Maldito o dia em que decidi fazer aquele mochilão pela Europa. Fui mordido na Polônia, por uma vampira alemã bêbada. Uns amigos dela chegaram me empurrando e xingando ela numa língua que eu não entendia, provavelmente a recriminando por ter me atacado. Acho que deviam estar com medo de serem descobertos. Preocupação comigo não era, já que eles nem olharam pra trás pra ver como eu estava quando saíram do beco pra onde eu e aquela louca tínhamos saído pra dar uns amassos. Meu vôo pro Brasil saia no dia seguinte, e ainda com o pescoço sangrando, fui pra casa achando que ela era só maluca, não uma vampira de verdade. Dormi o vôo todo e quando cheguei no país fui direto pro meu apartamento. Abri as janelas pra tirar o cheiro de fechado que tinha ficado já que eu tinha permanecido viajando há mais de um mês e como continuava cansado, pelo que eu supus ser da viagem, caí no sono logo em seguida. Minha cama ficava bem debaixo de uma janela, no dia seguinte acordei uivando de dor, como queimaduras grotescas na minha pele. Puxei as cortinas e fechei as janelas o mais rápido que pude e sentei na cama assustado. O que tinha acontecido com o Sol¿ Aumentado a potência de seus raios milhares de vezes¿ Me levantei e fui até o banheiro jogar uma água no rosto. Olhei pro espelho e ele refletia apenas os azulejos do fundo do banheiro. Encostei minha mão no espelho mas ele não a refletia. Tomado pelo nervosismo, comecei a esmurrar o espelho. Minhas mãos começaram a sangrar, a dor era intensa, minúsculos cacos de vidro ficaram presos na minha pele. E pra minha sorte, bem nisso todos aqueles livros e filmes já escritos sobre vampiros estavam errados, eu não tinha nenhum tipo de poder regenerativo. Nem podia sair pra farmácia comprar alguma coisa pra aliviar a dor até que escurecesse. Liguei então pra uma farmácia que entregasse uns curativos e uns analgésicos pra dor. Quando o entregador viu minhas queimaduras, minha mão toda bagaçada e meu pescoço todo vermelho (aqueles furos ficavam coçando o tempo todo) disse que eu devia procurar um hospital. Como se eu não tivesse pensado nisso sozinho.
Como não podia mais sair de casa durante o dia acabei jogando minha profissão de advogado pelo ralo. Não podia mais realizar audiências ou me encontrar com meus clientes durante o dia, então meus clientes e colegas foram me abandonando um a um. Ninguém entendia que eu não podia mesmo sair de casa e que minha vida dependia disso. Achavam que eu tinha síndrome do pânico ou qualquer outra doença tipo medo de sair em público e que eu devia procurar um médico e me tratar. Em pouco tempo minhas economias se esgotaram e eu tive de arrumar um novo emprego. Comecei a trabalhar de vigia em uma construção próxima ao prédio onde morava. Entrava as oito da noite e meu turno acabava as cinco da manhã. Não podia nem me dar ao luxo de fazer hora extra. O dinheiro não era muito mas era o suficiente pra pagar o aluguel e comprar uns bifes crus. Deus abençoe os supermercados vinte e quatro horas. Sou obrigado a fazer minha própria comida sempre, porque nunca sei que restaurante vai decidir usar alho no tempero. Bem eu gostava tanto de alho. A vida de um vampiro é realmente limitada e entediante, minha vida social se resume à internet. Há tempos só vejo minha família e os amigos que ainda falam comigo depois de eu ter furado diversos de programas pelo Skype. Não posso entrar na casa de ninguém sem ser convidado, e como tenho que ficar longe de cruzes, tive que parar de freqüentar a igreja. Não sou forte, nem rápido, nem bonito, não era assim antes de ser mordido e com certeza não fiquei assim depois. Não sei se o lance da vida eterna é verdadeiro, mas não pretendo esperar pra descobrir. Não agüento mais viver assim e decidi partir.
Na verdade, eu nem espero que você acredite em tudo isso. Eu com certeza não acreditaria se você me contasse. Mas a solidão é engraçada, faz você querer fazer coisas como escrever as coisas estranhas que te aconteceram na esperança de que alguém um dia entenda o porque você teve que fazer o que fez. Talvez seja só um jeito de querer reconfortar meus pais (que provavelmente só vão achar que eu morri ainda mais maluco). De qualquer forma minha história acaba aqui. Trinta e um de dezembro de 2010. Daqui a algumas horas, pegarei um vôo noturno de São Paulo a Salvador. Vou pegar um táxi do aeroporto direto pra praia. Aí vou me sentar em um quiosque e tomar uma caipirinha observando a alegria das pessoas, todas vestidas de branco, comemorarem o nascer de um novo ano sob os fogos de artifício. No final do ano, por todo o Brasil, mas principalmente no Nordeste, centenas de mães de santo fazem oferendas a Iemanjá junto às ondas de praticamente todas as praias brasileiras. Elas colocam santos em pequenos barcos, rezam, cantam e dançam em meio a flores. Isso significa que o litoral brasileiro se transforma em uma piscina gigantesca de água benta. Vou esperar os fogos se extinguirem nos céus e as pessoas irem embora, vou tirar minhas roupas e caminhar em direção às ondas, me transformando em pó. Minhas cinzas se juntarão à areia da praia. Talvez no dia seguinte alguma criança faça um pequeno castelo com elas. Até logo. A gente se vê no inferno.”

Carta achada na casa de um advogado desaparecido há mais de seis meses.

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