quinta-feira, outubro 19, 2023

O vizinho

 Ontem cheguei em casa por volta das 20h e encontrei um velhinho no elevador. 

— Está chegando do trabalho?  ele perguntou.
— Sim. — respondi. — Bom que hoje em dia é tranquilo, eu só tenho que ir presencialmente dois dias na semana.
— Ah, legal. Eu só trabalho uma vez no ano — Ele complementou, coçando sua longa barba branca, que ia até o peito.
— Isso parece bom — Respondi, tentando esconder o quanto aquele comentário tinha soado peculiar.
Então o velho tirou um celular do bolso e acendeu a tela do aparelho, exibindo a foto que havia em seu fundo de tela. 
Era ele vestido de Papai Noel, com um sorriso no rosto e um cachorro preto no colo.
Chegamos no meu andar e me despedi ainda sorrindo, me esforçando para ser o mais educado possível. Afinal, eu precisava mostrar que era um bom garoto.


quarta-feira, agosto 16, 2023

We're gonna move to a better, move to a better...Move to a better home...

 Dia 29 de julho chegou ao final "A saga da mudança". Foram meses que eu e a Amanda passamos procurando o apartamento perfeito, só pra chegar a conclusão de que o que a gente queria mesmo era um apartamento antigo de tamanho decente não morar num lançamento de 30m2, que custasse um bilhão de dólares. 

Um dia a gente estava no Maraba assistindo ao filme do Super Mario e reclamando do preço do aluguel (que seria muito melhor utilizado no pagamento de um empréstimo) e paramos numa construtora pra visitar mobiliados menores que uma casa da Barbie. Na semana seguinte, já começamos a conhecer corretores e a agendar visitas com o pessoal do quinto andar (apesar de ironicamente, a gente ter parado no quarto andar).

Apartamento encontrado, com móveis que sustentassem minha enorme coleção de quadrinhos e bugigangas, numa localização ideal entre os principais pontos de show da cidade e perto do metrô Barra Funda, começamos a procurar fundos. Passamos por vários bancos e no final foi com a ajuda do gerente da minha mãe, direto da capital do calçado feminino, que conseguimos o financiamento ideal, com os menores juros possíveis.

Então rolou toda a burocracia de assinar contratos, em bancos e cartórios, até que tudo estivesse no jeito, a antiga dona recebesse sua grana e o apartamento finalmente fosse nosso.

Com as chaves na mão (do apartamento 42, que todo bom nerd sabe que basicamente é a resposta pra pergunta "qual o significado da vida, do universo e tudo mais"), começamos a fazer dezenas de viagens de carro do apartamento velho pro antigo, a fim de transportar minha coleção, delicada e valiosa demais pra falta de cuidado dispensada pela equipe da mudança (que detonou vários dos nossos móveis no processo).

Meus pais trouxeram um pintor de paredes alienígena, minha tia trouxe um montador de móveis surdo e algumas semanas depois, chegou o dia de ver nossos móveis serem desmantelados pela equipe da mudança. E então, com a ajuda do meu irmão, terminamos de levar tudo que acumulamos nesses dez anos morando no centro, pra nossa nova residência (curiosamente localizada exatamente na saída oposta do minhocão).

Enfim, agora que tudo já está (mais ou menos) no lugar, começou a parte boa: desbravar o novo bairro, conhecendo seus restaurantes (tem uma Seven Kings a 300m de distância e um Ponto Chic bem na esquina!), shoppings, teatros, cinemas, academias, pet shops, praças (descobrimos ate que meu bisavô costumava participar de campeonatos de exibição de porcos, bem ali no Parque da Agua Branca), casas cenográficas de velho oeste e obviamente, os botecos com os melhores PFs e porções.

A gente gostava muito da Roosevelt (rolaram até umas lágrimas, minhas e da Amanda, quando tivemos que devolver as chaves pro pior zelador do mundo) e do centro (no qual passei vários dias me despedindo de meus bares, padarias e restaurantes favoritos - verdade seja dita, eu cheguei até a me despedir da Avenida Paulista, só porque ela já não estaria mais tão próxima), mas a mudança chegou na hora certa. Mudanças ainda maiores estavam a caminho...

quinta-feira, abril 13, 2023

Orelha de concha

 Na ultima vez que voltei pra Jau, um final de semana antes da Páscoa, achei que ia ficar maluco. Quando desci do carro na casa dos meus pais, o barulho da rodovia veio junto comigo, na forma de um zumbido constante no meu ouvido esquerdo. 

Basicamente, eu tinha passado o dia todo em ligações, usando um fone airpode rachado, que eu tinha acabado de comprar. Os fones chegaram na terça, derrubei o fone esquerdo no chão na quinta e na sexta usei o airpod zuado por mais de 5h seguidas. Ou seja, pedi pra dar merda. Wile E. Coyote, Inventor e gênio.

Liguei o ventilador pra dormir e o zumbido dele ajudou pelo menos a igualar o incomodo entre os dois ouvidos. Mas quando acordei e o zumbido continuou, achei de verdade que ia enlouquecer. Já tem vozes demais palpitando na minha cabeça, eu não seria capaz de aguentar um novo som me incomodando.

Felizmente, meu pai me deu um remédio (junto com a já tradicional salada de frutas matinal) e algumas horas depois, tudo voltou ao normal. 

Mas durante algumas horas senti muito medo de que a partir daquele momento eu tivesse que comer a ler quadrinhos com os carros passando zunindo na minha cabeça. Ou que eu tivesse que ir dormir dentro da turbina de um avião pra encontrar um pouco de conforto. 

Ou seja, alguns dias temos que ser gratos pelo silêncio.

quarta-feira, abril 05, 2023

A capital do congestionamento

Poucas coisas me deixam mais feliz pela manhã do que a uber ou a 99 me enviarem um taxi quando peço um carro pelo aplicativo. Isso significa que vou poder deslizar pela faixa preferencial dos ônibus, e chegar ligeiramente menos atrasado no trabalho. Afinal, como a Amanda gosta de repetir, eu sou uma daquelas pessoas que acordam cedo porque gostam de se atrasar com calma. 

Se eu estou dirigindo, acabo sempre me irritando com alguma coisa. Com a lentidão do transito, com os outros motoristas cortando minha frente, com motoqueiros levando o retrovisor.

Eu realmente admiro quem consegue dirigir nessa cidade mantendo a paciência. Pra mim é uma experiência traumatizante desde que eu era criança. Meu pai sempre teve a coragem e paciência que a cidade exige, mas sempre me lembro das discussões com minha mãe ou minha tia, dos mapas impressos que os neanderthais pré-waze tinham que carregar no carro e das infinitas voltas que a gente dava pra chegar de um lugar a outro. Era tanta volta, tanta demora, que eu sempre dormia. 

E assim, admiro quem dirige de boa por São Paulo com a mesma admiração e respeito que tenho por alguém que cospe fogo ou pula de bungee jumpee. Acho legal que existam pessoas que fazem isso, mas não tenho nenhum interesse em ser uma delas.

O Waze ajuda demais. Ele escreve certo por linhas tortas, mas sempre te leva onde você precisa e do jeito mais rápido possível, por mais que pareça não fazer sentido na hora.  Os "antigos" podem até não confiar nele, mas eu sei o quanto esse app já me ajudou. Já não basta o caos do transito, Deus me livre de ter que me preocupar também com os caminhos.

Ou seja, o transporte via carros de aplicativo pra mim são uma das maiores invenções recentes da humanidade. Graças a eles eu não tenho que me preocupar com direção, caminhos, pedintes, malabaristas, vendedores de bala, palhaços, acidentes, assaltos, motoqueiros, engolidores de espada, batidas, gasolina, zumbis da cracolândia, engarrafamentos, protestos, manutenção do automóvel, lavadores de vidro, rampas, alagamentos, buracos e os absurdos cobrados pelos estacionamentos nessa maldita metropole cinzenta.

E nos dias de sorte, nos dias realmente bons, o meu motorista tem passe livre pela preferencial, e aí é só alegria, ou como dizem por aí, "uma mão na roda".

terça-feira, fevereiro 07, 2023

A segunda pior coisa que pode te acontecer na vida...

Envelhecer é foda, né? Ok, é melhor que a alternativa, mas ainda assim...foda, né?

Fui em dois shows nessas últimas semanas que jogaram muito na minha cara o quanto eu estou envelhecendo. Sexta passada fui ver os os Backstreet boys com a Amanda. Os "boys" já viraram "men" há muito tempo, e estão na faixa dos cinquenta. 

As dancinhas ficaram um pouco patéticas e as barbas tingidas mais evidentes. Não que eu esperasse um número musical saído de RRR (minha nova indicação de filme do momento), mas eu realmente esperava mais...movimento, sabe?  A faixa etária eram mulheres de meia idade e mais velho que o público, só quem estava no palco.

Pelo menos eles ainda cantam alguma coisa. O show foi divertido e a nostalgia bateu muito forte, ainda que a maior parte dessas músicas eu só escutasse por tabela, ou no aguardo da próxima posição do Disk MTV.  Melhor que vender o ingresso que a Amanda tinha sobrando pros cambistas, que ofereceram 1/4 do valor que ela tinha pago quando comprou.

Aí sábado agora (04/02) fui num show do Paul Di Anno (o vocalista dos dois primeiros discos do Iron Maiden). Ele está com 64 anos de idade, mas por conta da saúde extremamente debilitada, infelizmente parecem ser muito mais. Ele veio pra turnê (que passa por umas 30 cidades brasileiras, diga-se de passagem) de cadeira de rodas, fazendo show com uma perna enfaixada pro alto, sem enxergar direito o público e sem aguentar até o final uma única música. 

O público abraçou a situação da forma mais compreensiva possível. Afinal, melhor um show capenga do que show nenhum, cancelado sem previsão de reposição. E sendo muito sincero, no final das contas quem faz o show é o público. E não tem no mundo uma plateia que ame o Iron Maiden mais do que os brasileiros. Se o Paul não consegue cantar, a gente canta por ele. A gente pula por ele, grita mais alto que a banda, bate cabeça enquanto pode. 

Foi o primeiro mosh ("rodinha de porrada") que eu vi onde predominavam cabelos brancos, panças de chopp, escolioses. Faz sentido. Os dois primeiros álbuns do Iron são de 80 e 81. O público se renovou até o começo dos anos 2000, e depois só se manteve. Os jovens foram ouvir outra coisa: Lady Gaga, K-Pop ou Pablo Vittar.

Enfim, o lado bom da velhice é que não é algo pelo que você tenha que passar sozinho. 

O velho no palco reflete os idosos se cotovelando na pista, que refletem o estranho que eu vejo no espelho. E enquanto a música estiver tocando, a gente faz o que pode pro show continuar.

terça-feira, janeiro 10, 2023

Virada à Paulista (tamanho família)

Nesse final de ano, depois de passar alguns dias em Jaú pra comemorar o natal (e o recesso da agência!) curtindo uns dias em casa, com sorvete di famiglia, mega drive, coxinhas da Tianinha e churrasquinho ripper, voltei no dia 28 pra São Paulo com a Manda, a Luna e meu irmão pra gente se preparar pra nossa viagem em família de final de ano.

Quinta-feira na hora do almoço, passamos buscar a namorada do meu irmão que estava chegando de Minas e logo pegamos a estrada pra Caraguatatuba.

Chegamos debaixo de chuva na cidade, mas logo pegamos a chave da casa que meus pais haviam alugado e logo começamos a nos acomodar. Meus pais chegaram, guardamos as coisas (a geladeira estava abastecida pra um mês, apesar de que só tínhamos cinco dias de estadia) e a Luna escavou e dominou os sofás. 

Saímos a noite pra tomar um sorvete na cidade na Sorveteria Wilson, onde provei aquele que talvez seja o melhor sorvete de nozes que já tomei na vida.

No dia seguinte, tomamos um cáfe da manhã "digno de resort" (como a Amanda gosta de dizer), com muitas frutas, pães, frios e chocotone, dirigimos até a Praia da Cocanha, de onde pegamos um barco pra Ilha do Tamanduá. 

E assim, sendo bem sincero, a gente tinha acabado de voltar de um cenário paradisíaco no nordeste, então eu realmente não estava esperando muito do turismo no litoral paulista. Mas meus pais realmente são especialistas quando o assunto é praia, e acabamos visitando uns lugares incríveis, com uma água esverdeada que não deixa nada a dever pro Alagoas. Na ida pra ilha, até ganhei uma heineken do outro casal que dividiu lancha com a gente. Comemos umas porçoes legais (coisa que não rola quando estou só eu e a Manda, já que ela não come nada que sai do mar) e depois voltamos em um barco só nosso. A noite, meus pais saíram dar uma volta e ficamos jogando Viticulture (um jogo de tabuleiro tão interessante, quanto complexo).

Dia 31 ficamos mais perto da casa alugada, ali entre Massaguaçu e Cocanha. Essa praia tinha mais cara de Guarujá, com mais gente, vendedores ambulantes, caixinhas de som tocando funk e tudo o mais, mas tivemos um dia bem agradável sob a sombra de uma árvore gigante, na companhia de caipirinhas e bolinhos de camarão. Fiquei até chateado de não ter levado a Luna pra praia esse dia. A noite fizemos churrasco e depois fomos pra praia (levando até com a Luna!) ver os shows de fogos de artifício e brindar a chegada do novo ano.

Dia primeiro, acabou calhando de ser o dia do melhor passeio! Fizemos um passeio de barco que passava por diversas ilhas (Praia Mansa, Praia da Lagoa e um retorno a Ilha do Tamandua), todas praticamente desertas, com mar calmo e azul e clima perfeito. O barqueiro ainda levava stand up, caiaque e máscara de mergulho (tudo incluso no valor do passeio). Então deu até pra andar de caiaque e tomar uns tombos no stand up. Fora que conheci a máscara de mergulho perfeita, que cobre o rosto todo e pela primeira vez não me irritei com água entrando pelo nariz e pela boca enquanto eu tentava mergulhar. Além disso, pagamos por 3h, mas fizemos 5h de passeio, ou seja, sucesso! Na volta, paramos pra jantar no Caiçara's, um dos restaurantes mais legais da região e ainda aproveitei pra comemorar meu aniversário de namoro com a Amanda com um prato de comida japonesa (algo impossível de se fazer quando estamos só nós dois, já que praticamente tudo que se vende num restaurante japonês vem do mar). Um dia incrível, que marcou um ótimo começo de ano e fechou o passeio com chave de ouro.

Um fato interessante é que a maioria das pessoas que foram pra Caragua reclamaram bastante da chuva, que a gente praticamente nem sentiu! Minha mãe estava preparada com uma caixa de ovos e muita fé em Santa Clara, e pegamos sol todos os dias! Sério, minha mãe é tão próxima da Santa Clara, que quando o padre da Fundação não quer chuva, ele manda whatsapp pra minha mãe, ao invés de falar direto com a santa! E essa é uma habilidade muito útil em dias de praia, pegamos tanto sol que eu até consegui queimar os braços em uma calma tarde de mormaço. 

Claro que nem tudo são flores, e no final alguma coisa ruim tinha que acontecer. Logo que pegamos a estrada pra voltar pra São Paulo por volta das 11h do dia seguinte, quebrou a embreagem do meu carro e fiquei parado com a Manda, a Luna e um colega do trabalho e sua namorada (que escolheram o pior dia do mundo pra pedir carona) durante horas na Tamoios. O carro parou bem no meio de um túnel, então ficamos mais de 2h30 esperando o guincho da rodovia, sem sinal de internet, como homens das cavernas. 

Meu único contato com o mundo era o botão vermelho de emergência. Esse guincho levou a gente até um posto ali perto, onde o taxista do seguro já estava no aguardo. O problema é que ele só ia sair quando o guincho da Allianz chegasse. E ele não chegava nunca. Esperamos por 4h e nada. Sendo que havia uma fila de 5 guinchos particulares simplesmente parados esperando serviço bem ali no posto. A Amanda entrou no posto full pistola com a Allianz por telefone, em uma ligação de quase 1h, até que finalmente conseguimos com que eles liberassem que a gente contratasse um guincho particular dizendo que depois nos fariam um reembolso. Voltei com o motorista do guincho pra SP a 60km/h, chegando em casa mais de 21h da noite. Mas tudo bem, pelo menos o problema aconteceu na volta e deu pra aproveitar bastante nossos dias em Caraguá.