Odeio viajar em ônibus espaciais. Não que eu não goste de visitar a lua
púrpura, mas bem que eu queria que houvesse um jeito mais fácil de chegar lá.
Combinei com minha
família de nos encontrarmos na colônia de férias lunar porque é o ponto mais
próximo entre os planetas Amazon, Apple (onde meus pais moram desde que se
apostaram) e Nike (onde minha irmã trabalha no atualmente em um banco de sangue). É
sempre bom reunir a família toda, mas a viagem é bem longa e cansativa.
Não que o transporte
não seja confortável, levando em consideração as condições do espaço, essa
tecnologia evoluiu muitos nos últimos séculos.
Ainda assim, acho
que nunca vou me acostumar com as travas e cintos de segurança do vaso
sanitário da nave, mesmo sabendo que sem eles eu poderia sair flutuando durante
um momento muito inoportuno.
Mijar dentro de um
tubo, que suga o líquido expelido com a ajuda do vácuo, também não é a experiência
mais agradável do mundo. Muito menos saber que por aqui não desperdiçam o
material coletado, e que, depois de um tratamento especial, minha urina se
transformará em água potável.
Mas a verdade é que
ainda prefiro isso a ter que usar as fraldas de segurança. Pela cara que o sujeito
ao meu lado fez há pouco, não duvido que ele tenha utilizado a dele sem pensar
duas vezes na hora do lançamento.
Ao menos as
poltronas são confortáveis o suficiente e me esforço para entrar em modo de
hibernação o quanto antes, mas estou sem sono nenhum.
Acho que não devia
ter exagerado tanto naqueles StarCoffees na rodoviária. Fazia tanto tempo que
eu não tomava um space-a-puccino, que talvez eu tenha exagerado na dose.
O problema de não
conseguir dormir é que acabo prestando atenção no que os demais passageiros estão
fazendo, e isso me irrita demais. Por exemplo, não entendo o propósito de
trazer crianças para uma colônia lunar. Existem dezenas de colônias de férias
muito melhores em qualquer outro planeta do Império.
Mas esses burgueses
malditos fazem questão de trazer seus pirralhos recém-provetados até a lua.
Acho que é uma questão de status. Quanto mais novo você visitar as crateras de
sal púrpura e os mares artificiais de vento, mais chances você terá de garantir
seu lugar na alta-sociedade no futuro.
Como se essa viagem
já não fosse um processo cansativo o suficiente para um adulto.
Minha esposa Amora dormiu
assim que embarcamos. Às vezes eu queria ter a facilidade que ela tem para cair
no sono, ou pelo menos, sua disponibilidade para ingerir uma boa quantidade de
sonopílulas.
O
narrador do meu audiolivro cospe palavras em alta velocidade no meu ouvido, mas
só consigo me concentrar no ronco do passageiro do banco da frente. Lembro por
um segundo de que o som não se propaga no espaço, e isso só me deixa com mais
vontade de jogá-lo para fora do busão.
Já
fazem cinco horas que deixamos Amazon para trás, e ainda não consegui dormir.
Coincidentemente, o bebê chorão da primeira fila também não. Ele olha para minha
cara e chora. Tenho vontade de chorar também. Ninguém notaria mesmo, já que as
luzes da nave foram apagadas cerca de quatro horas atrás.
Pouco
tempo depois, o ônibus estacionou junto a uma base satélite. Que maravilha, não
sabia que teríamos paradas na viagem!
Isso
significa que posso descer, esticar um pouco as pernas e aproveitar para usar
um banheiro com gravidade artificial.
As
manobras de acoplagem demoram quase 40 minutos. Já estou quase usando a fralda,
quando finalmente o motorista desce e começa a conversar com a equipe local.
Acho
que agora sou único passageiro que ainda está acordado. Caminho da última
fileira, onde estou sentado, até a saída do ônibus e sinto como se estivesse
caminhando por um cemitério. Dezenas de pessoas hibernando em animação
suspensa. Repousando calmamente na fria escuridão do espaço.
Liguei
o suporte de vida de meu traje de viagem e, deixando o ônibus espacial, entrei
pela primeira porta que encontrei aberta.
Esse posto espacial
parece ser bem diferente dos outros que já visitei. Geralmente a entrada das
toaletes e da loja de conveniência tem dezenas de luzes indicativas, e fica bem
óbvia.
Neste
aqui, tive que percorrer uns cinco corredores, até que minha insistência acabou
vencendo e finalmente encontrei um banheiro. Ah, que alívio poder contar com a
boa e velha gravidade para dar uma mijada.
Me
perdi um pouco na volta, mas depois de pouco encontrei a porta por onde eu
havia entrado na estação.
O problema foi que assim
que a atravessei, vi a coisa mais assustadora que poderia acontecer em qualquer
viagem interplanetária: meu ônibus partia e me deixava para trás.
Como
assim? O motorista nem se deu ao trabalho de contar os passageiros? Olhe para o
seu maldito painel imbecil! Tenho certeza de que verá uma luz vermelha piscando
com o número de meu assento nela!
Foi
então que me dei conta. Não era um satélite de conveniência, o ônibus estacionara
apenas para abastecer.
Tentei voltar para dentro e pedir
ajuda para a equipe de manutenção da estação-posto, mas a porta que eu tinha
utilizado fora selada automaticamente após a finalização do processo de
abastecimento.
Merda! Fiquei preso do lado de fora!
Gritei, xinguei e chutei a lateral
da estação com todas as minhas forças, mas obviamente ninguém me escutou.
Meu ônibus ficava cada vez mais
distante, só um ponto prateado em meio as estrelas. Imagino a cara de desespero
da Amora quando acordar e perceber que eu não estou ao seu lado. E o aperto que
a coitada vai que passar quando tiver que explicar o que aconteceu à minha
família.
Sento na beirada da estação e
observo o visor digital do meu suporte de vida. Tenho mais doze horas, se
conseguir entrar em estado de hibernação. Talvez quatro horas, se eu continuar
acordado.
Me sinto pequeno, triste, vazio.
E apertado.
Não vai ter jeito, acho que vou
acabar tendo que usar a fralda.
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