sexta-feira, junho 26, 2015

Apertado

Odeio viajar em ônibus espaciais. Não que eu não goste de visitar a lua púrpura, mas bem que eu queria que houvesse um jeito mais fácil de chegar lá.
Combinei com minha família de nos encontrarmos na colônia de férias lunar porque é o ponto mais próximo entre os planetas Amazon, Apple (onde meus pais moram desde que se apostaram) e Nike (onde minha irmã trabalha no atualmente em um banco de sangue). É sempre bom reunir a família toda, mas a viagem é bem longa e cansativa.
Não que o transporte não seja confortável, levando em consideração as condições do espaço, essa tecnologia evoluiu muitos nos últimos séculos.
Ainda assim, acho que nunca vou me acostumar com as travas e cintos de segurança do vaso sanitário da nave, mesmo sabendo que sem eles eu poderia sair flutuando durante um momento muito inoportuno.
Mijar dentro de um tubo, que suga o líquido expelido com a ajuda do vácuo, também não é a experiência mais agradável do mundo. Muito menos saber que por aqui não desperdiçam o material coletado, e que, depois de um tratamento especial, minha urina se transformará em água potável.
Mas a verdade é que ainda prefiro isso a ter que usar as fraldas de segurança. Pela cara que o sujeito ao meu lado fez há pouco, não duvido que ele tenha utilizado a dele sem pensar duas vezes na hora do lançamento.
Ao menos as poltronas são confortáveis o suficiente e me esforço para entrar em modo de hibernação o quanto antes, mas estou sem sono nenhum.
Acho que não devia ter exagerado tanto naqueles StarCoffees na rodoviária. Fazia tanto tempo que eu não tomava um space-a-puccino, que talvez eu tenha exagerado na dose.
O problema de não conseguir dormir é que acabo prestando atenção no que os demais passageiros estão fazendo, e isso me irrita demais. Por exemplo, não entendo o propósito de trazer crianças para uma colônia lunar. Existem dezenas de colônias de férias muito melhores em qualquer outro planeta do Império.
Mas esses burgueses malditos fazem questão de trazer seus pirralhos recém-provetados até a lua. Acho que é uma questão de status. Quanto mais novo você visitar as crateras de sal púrpura e os mares artificiais de vento, mais chances você terá de garantir seu lugar na alta-sociedade no futuro.
Como se essa viagem já não fosse um processo cansativo o suficiente para um adulto.
Minha esposa Amora dormiu assim que embarcamos. Às vezes eu queria ter a facilidade que ela tem para cair no sono, ou pelo menos, sua disponibilidade para ingerir uma boa quantidade de sonopílulas.
            O narrador do meu audiolivro cospe palavras em alta velocidade no meu ouvido, mas só consigo me concentrar no ronco do passageiro do banco da frente. Lembro por um segundo de que o som não se propaga no espaço, e isso só me deixa com mais vontade de jogá-lo para fora do busão.
            Já fazem cinco horas que deixamos Amazon para trás, e ainda não consegui dormir. Coincidentemente, o bebê chorão da primeira fila também não. Ele olha para minha cara e chora. Tenho vontade de chorar também. Ninguém notaria mesmo, já que as luzes da nave foram apagadas cerca de quatro horas atrás.
            Pouco tempo depois, o ônibus estacionou junto a uma base satélite. Que maravilha, não sabia que teríamos paradas na viagem!
            Isso significa que posso descer, esticar um pouco as pernas e aproveitar para usar um banheiro com gravidade artificial.
            As manobras de acoplagem demoram quase 40 minutos. Já estou quase usando a fralda, quando finalmente o motorista desce e começa a conversar com a equipe local.
            Acho que agora sou único passageiro que ainda está acordado. Caminho da última fileira, onde estou sentado, até a saída do ônibus e sinto como se estivesse caminhando por um cemitério. Dezenas de pessoas hibernando em animação suspensa. Repousando calmamente na fria escuridão do espaço.
            Liguei o suporte de vida de meu traje de viagem e, deixando o ônibus espacial, entrei pela primeira porta que encontrei aberta.
Esse posto espacial parece ser bem diferente dos outros que já visitei. Geralmente a entrada das toaletes e da loja de conveniência tem dezenas de luzes indicativas, e fica bem óbvia.
            Neste aqui, tive que percorrer uns cinco corredores, até que minha insistência acabou vencendo e finalmente encontrei um banheiro. Ah, que alívio poder contar com a boa e velha gravidade para dar uma mijada.
            Me perdi um pouco na volta, mas depois de pouco encontrei a porta por onde eu havia entrado na estação.
O problema foi que assim que a atravessei, vi a coisa mais assustadora que poderia acontecer em qualquer viagem interplanetária: meu ônibus partia e me deixava para trás.
            Como assim? O motorista nem se deu ao trabalho de contar os passageiros? Olhe para o seu maldito painel imbecil! Tenho certeza de que verá uma luz vermelha piscando com o número de meu assento nela!
            Foi então que me dei conta. Não era um satélite de conveniência, o ônibus estacionara apenas para abastecer. 
          Tentei voltar para dentro e pedir ajuda para a equipe de manutenção da estação-posto, mas a porta que eu tinha utilizado fora selada automaticamente após a finalização do processo de abastecimento.
            Merda! Fiquei preso do lado de fora!
            Gritei, xinguei e chutei a lateral da estação com todas as minhas forças, mas obviamente ninguém me escutou.
            Meu ônibus ficava cada vez mais distante, só um ponto prateado em meio as estrelas. Imagino a cara de desespero da Amora quando acordar e perceber que eu não estou ao seu lado. E o aperto que a coitada vai que passar quando tiver que explicar o que aconteceu à minha família.     
            Sento na beirada da estação e observo o visor digital do meu suporte de vida. Tenho mais doze horas, se conseguir entrar em estado de hibernação. Talvez quatro horas, se eu continuar acordado.
            Me sinto pequeno, triste, vazio.
            E apertado.
            Não vai ter jeito, acho que vou acabar tendo que usar a fralda.

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