segunda-feira, março 02, 2015

O fantasma do elevador

Mais um conto curto levemente baseado em fatos reais, e que fica melhor ao som de "love in an elevator" (vídeo abaixo)...

A empresa na qual Thomas trabalhava havia se mudado muito recentemente para uma nova sede na Avenida Paulista. Isso significava que diariamente ele tinha que pegar dois metrôs todas as manhãs, desviar do pessoal da Unicef que cerca todos os transeuntes como cães sarnentos em busca de contribuições mensais e tentar lutar contra a vontade de tomar um café gelado no Starbucks.
Na verdade, ele nem gostava de café. Mas eles colocavam tanto leite, gelo e chantili em tudo que preparavam que aquela deliciosa bebida cremosa que chegava às mãos de Thomas não lembrava nem remotamente café. 
Thomas vivia uma vida pacata. Conversava o mínimo possível com os colegas, almoçava sempre no mesmo restaurante (só pelo prazer de um pão de alho incrível chapeado na hora) e no resto de seu tempo livre, procurava por algum livro novo nos sebos da região.
Mas na terceira semana após a mudança, em uma terça feira chuvosa, Thomas vivenciou algo que definiria todo o resto de sua existência.
Ele retornou do almoço, pontualmente as 13h, lutando para ignorar o aperto no coração causado pelo mendigo sem pernas que de segunda à sábado faz ponta bem na porta do edifício, e apertou o botão do elevador.
Subiu nele junto de dois japoneses, e assim que eles desceram no sétimo andar, ouviu algo muito estranho, um grito de mulher.
Não um grito prolongado, como se alguém estivesse caindo de um precipício. Só um singelo "ah", como o de alguém que diz "ah, esqueci minha carteira", ao utilizar o velho golpe do "estou sem grana hoje, vou apelar pra caridade de algum colega de trabalho". 
Nenhum dos japoneses - que conversavam animadamente a respeito de uma viagem para os parques da Disney na Flórida - pareceu ter notado, mas Thomas tinha certeza de ter ouvido o barulho e decidiu fazer uma parada no meio do caminho, para ver se ele continuava. 
No oitavo andar, ouvi novamente: "Ah". E começou a pensar se não estaria imaginando coisas. O que era muito improvável, já que não bebia há dias.
Ao chegar no décimo andar, ouviu o som novamente. Não havia ninguém na recepção para quem ele pudesse delatar os fatos, então decidiu simplesmente se dirigir para seu cubículo e continuar trabalhando na programação do sistema de segurança do site do banco para o qual trabalhava.
O resto do dia passou normalmente, sem nenhum outro surto de imaginação fértil, e as 18h43, Thomas tomou novamente o elevador, ao final do expediente.
Assim que o carro chegou no térreo, ouviu mais uma vez o "Ah". Olhou para a recepcionista, mas ela parecia não ter ouvido nada. E com vergonha de se passar por idiota na frente da formosa jovem, desistiu de fazer qualquer comentário.
No dia seguinte, esperou pelo elevador que gritava, mas todas as vezes que precisou descer ou subir foi prontamente atendido por outro dos quatro elevadores do edifício.
Na quarta-feira, ao chegar ao trabalho, lá estavam os lamentos. Assim que a porta se abriu.
Ao invés de descer em seu andar e começar a trabalhar, ele permaneceu dentro do elevador e apertou cada um de seus botões. E em cada piso do prédio, se escondia o mesmo lamento.
Estaria aquele carro amaldiçoado? Talvez o fantasma de alguém que faleceu naquele local? 
Ao bater no térreo, Thomas fingiu estar entretido com seu aparelho celular para ignorar os olhares inquisitivos da recepcionista da manhã. 
O rapaz passou o resto da semana tentando evitar o elevador maldito, mas mesmo quando se encontrava em outro dos carros, ouvia ao longe um ou outro grito de socorro abafabado, vindo do lado de fora.
Ele não entendia como ninguém mais poderia ouvir aqueles barulhos. Pegou o mesmo elevador de volta para seu trabalho e comentou com seus colegas de trabalho a respeito dos pedidos de socorro. Ninguém lhe deu ouvidos. Disseram que ele devia guardar essas histórias para as mesas de bar. Desanimado e com medo de realmente estar ficando maluco, ele desistiu de tentar convencê-los e tomou outro elevador até o térreo.
Mas os gritos continuaram a persegui-lo durante o final de semana. No sábado ele sonhou que o barulho era oriundo do fantasma das pernas do mendigo do qual ele tentava desviar diariamente. Será que ele tinha perdido as pernas naquele mesmo prédio e por isso assombrava a frente do local? Será que ainda havia algo de suas pernas preso no elevador?  
Na segunda feira seguinte, Thomas subiu decidido no elevador. As vozes haviam perturbado seu sono e suas ideias durante todo o final de semana. Ele sabia que tinha que investigar o que quer que houvesse preso no elevador. Subiu até o décimo andar, como de costume, mas ao invés de descer para o trabalho, apertou o botão de trava do dispositivo. Agora era só ele e o elevador. Ele investigou cada uma das extremidades da caixa metálica. 
Nada. 
Colou o ouvido no chão. 
Nada.  
Olhou para cima e viu que o teto poderia ser desencaixado, e foi exatamente isso que ele fez. Forçou as placas para cima, empurrando-as para o lado, e projetou-se para cima da caixa do elevador, fazendo com que as cordas do mesmo balançassem de forma estranha.
Na hora do almoço, aquele elevador estava interditado. 
Uma faixa policial impedia a entrada de qualquer um.
Enquanto isso, um investigador da polícia interrogava o técnico de elevadores convocado para examinar o local. 
"Não sei como ninguém desconfiou que esse troço estivesse com problema" - o técnico disse ao policial. - "Com essa peça gasta, o barulho que o bicho faz devia ser tão alto que o elevador devia estar praticamente gritando por socorro".

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