quarta-feira, março 10, 2010

A epifania ...
Sábado de manha eu prestei um concurso pra Defensoria Publica da União. A primeira e a segunda fase eram seguidas, então tinha prova sábado de manhã (teste), sabado a tarde (escrita) e domingo de manhã (pratica). Eu cheguei pra fazer a prova do sábado que começava na Unip as oito da manhã. Só podia fazer prova com caneta preta transparente, que eu ainda tive que pedir emprestado. Eram 200 questões (cada uma do tamanho de um pequeno conto) onde tinha q responder certo ou errado e uma questão respondida errada anulava uma certa. Só corrigiriam as provas das fases seguintes dos 200 primeiros (porque tinham 100 vagas). Eu olhei em volta, vi um gordos escrotos e carecas com a camisa (camisa mesmo, não camiseta) pra dentro da calça, olhei pra prova, olhei em volta, olhei de novo pra prova e comecei a rir. Meu, o que que eu tava fazendo ali, perdendo meu sábado de manhã naquela merda de concurso¿ Eu não nasci pra isso, não gosto nem nunca vou gostar disso, eu to querendo enganar quem¿ Meio dia eu tava pegando o busão de volta pra Jaú.... Já dizia o Chris Cornell, `Be Yourself is all that you can do´...
Sendo myself...
Ai Terça feira a tarde eu tinha uma entrevista numa Agencia. Uma parte de mim (a que fala até com o sotaque da minha mãe) me dizia pra ir de camisa, tirar os brincos e faze a barba. Mas não, eu tinha prometido pra mim mesmo que seria eu mesmo e não poderia me trair, mais uma vez. Fui de camiseta preta mesmo, não fiz a barba nem tirei os brincos. E nem precisava, o cara que me entrevistou, tava com uma camiseta do Slipknot, cabelo nas costas, calça vermelha e tinha o corpo revestido de tatuagens e piercings. Eu teria parecido um babaca se fosse vestido de camisa, talvez ser eu mesmo não seja tão ruim se eu estiver no lugar certo...


O terceiro dia de trilha foi tenso, muitas subidas, descidas e pedras molhadas, e dessa vez eu tava carregando a mochila (no dia anterior eu e meu irmão tínhamos entulhado tudo nosso pesado em uma só mochila e contratado um carregador). Mas pior que o segundo dia não dava pra ser, eu só tava puto de ter dormido mal pra cacete porque na noite anterior tinha chovido mais dentro da minha barraca do que fora e eu tava todo molhado da cintura pra baixo. A trilha era até mais bonita nesse ultimo dia, tinha umas cachoeiras e grutas pelo caminho e nós já estávamos na altura das nuvens. Horas de cansaço e joelhos e pernas doendo depois, chegamos no ultimo acampamento. Esse supostamente era o melhor acampamento, era atrás de um restaurante onde jantaríamos e poderíamos tomar um banho (vigiado, com um cara enchendo o saco se você demorasse) se pagássemos 10 soles por ele. O problema é que bem as barracas do meu grupo, ficavam logo na ribanceira do rio, numa barrera do caralho, nada estável, que cairia na primeira chuva forte (e onde um dia depois morreria uma mochileira Argentina). Chegamos, tomei um banho com dinheiro emprestado, caí na lama quando voltava pra minha barraca, sujei as poucas roupas que me restavam e tive que arranjar grana pra tomar outro banho! Bom, depois jogamos mais Cabeza de Mierda com nosso grupo e com os goianos, jantamos e fizemos uma homenagem aos porteadores a pedido dos guias. Fomos dormir quebrados, mas mais felizes de estar próximos da civilização, já que no restaurante pelo menos tinha energia elétrica até mais tarde.

No quarto dia, acordamos muito cedo porque só os primeiros que chegam a Machu Pichu podem visitar Wayna Pichu, uma montanha alta do lado das ruínas. Tomamos café correndo e fizemos a ultima parte da trilha que faltava, de só uma hora e pouco na correria. Ainda bem que eu que já tava puto com a trilha nem me dei muito ao trabalho de correr, já que um cara do meu grupo saiu correndo e até chegou a tempo, mas foi à toa, já´que os ingressos de entrada pra Machu Pichu estavam com os guias, que só chegaram junto com os últimos integrantes do nosso grupo. A primeira visão que eu tive de Machu Pichu não foi muito animadora, ainda era de madrugada, eu tava puto com a vida e com o mundo e na verdade só dava pra ver neblina (vídeo do meu desapontamento no youtube). Mas logo que fomos chegando mais próximos das ruínas e o tempo foi melhorando eu já comecei a ficar mais animado. O lugar é realmente fenomenal, a vista é linda, a arquitetura é perfeita e imaginar aquele lugar povoado é fantástico. Nosso guia começou a dar explicações sobre o que era o que, sobre a engenharia do lugar e tal, quando outro guia chegou no ouvido dele e disse que estavam evacuando Machu Pichu e que talvez teríamos que sair dali de helicóptero. Ai o Alberto, nosso guia, deu uma acelerada na explicação e nos soltou pra explorarmos as construções sozinhos. Saímos então pra tirar umas fotos, posando de múmias inca, fazendo rituais de sacrifício, tirando braço de ferro, admiramos algumas llamas, passamos pelos outros turistas, que aparentemente viajavam quilômetros e quilômetros soh pra fumar um banza em meio as ruínas, paramos numas pedras pra ficar admirando as construções de longe e enquanto subíamos em lugares proibidos pra tirar fotos, vimos uns guardinhas locais se aproximando, supondo logo que seria pra nos dar alguma bronca. Mas não, na verdade eles só queriam avisar que tínhamos de ir embora, porque Machu Pichu estava sendo evacuada. Olhamos em volta e percebemos que não mesmo quase ninguém em volta, a gente tava se sentindo moh Indiana Jones explorando o local deserto, mas nem tinha dado bola. Alienados o máximo possível, seguimos então os guardas até a saída e pegamos o busão pra Águas Callientes, cidade mais próxima das ruínas de onde geralmente saem os trens pra Cusco. Já nesse busão deu merda. Pagamos sete dólares pela passagem e o filho da puta só andou com a gente uns cinco minutos e depois nos largou no meio do nada porque não dava pra seguir em frente, a chuva tinha derrubado uma ponte que ligava os locais. Moral da história, tivemos que seguir por uma TRILHA, sim, mais uma, depois de todo o cansaço que já estávamos pra Águas Callientes. E pior que essa trilha era bem mais divertida, passávamos pelo meio do mato mesmo, por trilhos de trem e finalmente por uma ponte que já estava quase sendo consumida pela fúria do rio. Chegamos então em Águas Callientes,e nos dirigimos pra quadra central, de onde disseram que sairiam os helicópteros. Lá, encontramos as brasileiras de Potosi, que tinham terminado a trilha um dia antes e que disseram que nenhum helicóptero tinha saído ainda. Eu já comecei a ficar puto, pensei que teria um helicóptero me esperando assim que eu chegasse e já tinha gente la há mais de um dia¿ Puta que pariu! Ai chegou o prefeito da cidade e se pronunciou dizendo que mais pro final do dia iam chegar dois (soh dois!!!) helicópteros (que no final nem chegaram) pra levar os idosos, as mulheres e as crianças embora. Ai a galera que tava reunida la, formada praticamente soh de gente na faixa dos vinte e poucos anos ficou puta, começaram a gritar ´No hay plata!´, com uma emoção que eu nunca vou esquecer. O prefeito disse então que ia providenciar comida e lugar pras pessoas ficarem. Mas ainda assim, eu perderia meu vôo do dia seguinte e tava sem um puto no bolso, soh com o cartão de crédito que não era aceito em quase nenhum lugar. Eu saí chutando, xingando e amaldiçoando o Peru o Maximo que pude no caminho pro restaurante onde a turma que tinha feito a trilha com a gente combinou de se encontrar. Lá reencontramos nossos guias da trilha, que não traziam noticias muito animadoras. A chuva tinha derrubado o trilho de trem, as pontes que ligavam a cidade e voltar pela trilha era impossível e muito perigoso. O restaurante aceitava cartão, então tomei umas cervezas pra passar a raiva e comemos um pouco (lá, eu até experimentei a nervosa – de cheia de nervos mesmo- carne de llama, que o Java do Sul, tinha pedido e não tinha aguentado comer). Passei a tarde então na quadra, sozinho de puto, esperando noticiais enquanto o Guto e meu irmão mandavam notícias pra casa. Ficamos sabendo que quem tinha passagem de trem comprada ( a agencia da trilha tinha comprado as nossas) poderia dormir nos vagões dos trens e nos dirigimos pra la pra garantir um lugar pra passar a noite. No nosso vagão conhecemos um casal do Rio, que já estava dormindo no trem desde o dia anterior, porque o albergue em que estavam tinha subido o preço em 200 por cento quando ficou sabendo da crise. Bando de peruanos do caralho! De repente tudo la valia ouro, o dólar não valia nada e as hospedagens ficaram super caras. Também conhecemos aquele que viria a se tornar o ´Pequeno Consul´, um outro carioca, repórter que tinha o telefone do cônsul e tava ligando pra ele toda hora pedindo ajuda. Estávamos morrendo de fome, mas tínhamos gastado nossos últimos trocados em água, que subia de preço a cada segundo, então preferimos nos garantir. Lá pelas nove da noite nos serviram um pãozinho sem recheio e puto da vida, dormimos sentados no vagão ´brasileiro´do trem, onde também ficaram vários outros que fizeram a trilha conosco.
No dia seguinte, eu já acordei puto porque não tinha saído quase ninguém no dia anterior e eu não tava ouvindo barulho nenhum de helicóptero (eles só começavam a fazer o resgate la pelo meio dia, que era quando o tempo clareava, antes era arriscado por ser uma região cheia de montanhas). Pelo visto ainda passaríamos um bom tempo por lá. Não nos deixavam sair da estação porque quem saia não estava conseguindo voltar (já que tinha muita gente querendo entrar) então meio que ficamos em cativeiro. O jardinzinho da estação virou um enorme varal, com gente dependurando roupas pra secarem em todo canto (foi assim que roubaram minha calça vermelha) e gente de todo o mundo tomando um sol na prisão. Na hora do almoço serviram um pão (do tamanho de um pão do McDonalds) com uma fatia de peito de peru e um copo de agua pra cada um. Eu fiquei puuuto, já que no dia anterior tinha jantado a porra de um pãozinho sem recheio e tava voltando de uma trilha de 50 km de caminhada, cansadaço de toda aquela merda. O Pequeno Cônsul tentou agitar uma revolta, mas não teve jeito, o almoço foi só aquilo mesmo e continuamos presos. Durante toda a tarde, no máximo umas 50 pessoas foram resgatas, tinha poucos helicópteros trabalhando e eles tavam demorando pra cacete pra fazer cada resgate. A noite nos serviram outro pãozinho daqueles, com chá de coca e depois nos liberaram pra cidade. Na praça central da cidade, tinha várias barracas montadas, cada uma com a bandeira de um país diferente, com o pessoal se organizando pra fazer listas de quantas pessoas de cada pais tavam la pra enviar pro cônsul. Encontramos de novo o Pedro (maluco da lanterna na chuva), os goianos, etc. Mas voltamos logo pra estação com medo de sermos deixados pra fora. Essa noite, mudamos pra outro vagão mais confortável, junto com o pessoal do sul (que na primeira noite tinha pago um hotel, mas agora tava sem grana) e duas meninas do Rio. Eu e meu irmão passamos boa parte da noite batendo um papo com os franceses da nossa trilha (em inglês), com o namorado do Rio, um belga amigo dele e uma outra francesa. Era nossa segunda noite dormindo no trem.

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