segunda-feira, janeiro 23, 2017

A universidade invisível

Eu sempre tinha ouvido falar dos cursos de escrita que rolavam na Casa das Rosas, mas nunca tinha conseguido vaga. Aí um belo dia vi que ia rolar um intensivão de "breves narrativas" de uma semana, corri me inscrever e bem quando era com o professor que eu mais queria, acabou dando certo. O lugar é tipo um casarão bem velho, com janelas gigantes e banheiras nos banheiros. E como as vezes você tem que pegar caminhos, entradas ou escadas diferentes pra chegar na mesma sala de aula, faz com que você se sinta um pouco em Hogwarts.
Apesar de curto (como é gratuito, na verdade nem da pra reclamar muito), foi bem proveitoso.
Além de ter pego novas técnicas, referências e histórias (que incluem até o telefone de uma vidente pra qual eu provavelmente nunca vou ligar), foi a primeira vez que li meus textos em voz alta pra tanta gente junta e fiquei bem empolgado com o feedback positivo e as risadas que eles causaram.
Seguem abaixo alguns exercícios.

Preenchendo o vazio
(criação livre)

Em uma tarde de tédio, Flávio teve a ideia de encher a boneca inflável com quem estava dormindo nas últimas duas semanas com gás hélio. 
Ele imaginou que seria divertido se ela se fizesse de difícil e tentasse fugir para longe de suas investidas, como as mulheres de verdade que ele conhecia sempre faziam.
Através de um vídeo do Youtube, descobriu que poderia substituir o gás por uma mistura caseira de vinagre e bicarbonato de sódio.
Coletou o que precisava no armário cozinha e rapidamente voltou para o quarto. Pouco tempo depois, sua amante ganhava vida e deslizava suavemente pelo teto.
Foi a melhor transa que Flávio teve na vida. Tão incrível que na manhã seguinte ele amarrou um barbante no pulso de sua mulher voadora e a levou para dar uma volta na Avenida Paulista, ávido por exibir orgulhosamente para todos que finalmente havia achado alguém que o fazia feliz. 
A boneca flutuava cerca de vinte centímetros acima da cabeça do rapaz, boquiaberta e nua, chocando e divertindo quem os via passar.
No caminho de volta, um desconhecido aproximou-se deles e cortou o barbante com uma tesoura.
— Por que fez isso? — protestou Flávio. — Eu a amava.
— Não seja idiota — o homem com a tesoura respondeu. — Era só sexo.

Segredos de beleza
(texto criado com base em uma sequência de imagens aleatórias exibidas pelo Professor)

Ana se achava feia. O espelho dela tinha certeza. Para piorar, a mãe dela era linda, e admirada por todos os seus colegas de escola. Quando sua avó faleceu, Ana encontrou algumas fotos antigas dos avós quando jovens e ficou confusa. Seu avô era muito bonito, provavelmente a beleza de sua mãe vinha dele, mas sua vó era tão feia que parecia precisar de um exorcista.
- Mãe, como você acha que sua mãe conheceu o vovô? - perguntou Ana, enquanto as duas remexiam nas coisas deixadas pela falecida.
- Não sei nem como eles continuaram juntos por tanto tempo - respondeu a mulher. - A única coisa que tinham em comum era o mal gosto. Não vejo a hora de me livrar desse macaco amarelo horrível.
Ana observou com curiosidade a escultura que ficava no meio da sala e imaginou se a avó não utilizou a bruxaria de algum deus-macaco ancestral para conquistar o avô. Se oferecendo para jogar a estátua fora, a garota carregou o macabro chimpanzé de vidro até o latão de lixo que ficava nos fundos do prédio. 
Ao chegar lá, se assustou momentaneamente com a sombra de um monstro gigante que os brinquedos do parquinho formavam na parede e derrubou a escultura no chão.
O macaco se quebrou em mil pedaços. Dentro dele, havia um pequeno frasco prateado.
Ana abriu o recipiente e sorveu um longo gole, sem ter a menor dúvida de que aquele era o segredo de sua avó para ficar bonita. O líquido amargo desceu queimando sua garganta e a partir daquele dia, e sempre em posse do frasco, ela passou a se sentir a garota mais sexy do planeta. 
O que Ana não sabia era que a magia de sua vó só funcionava porque, na verdade, era o seu avô quem bebia.

A bandana
(descrição de alguém da classe em uma única frase)

Não sabia que hoje tinha jogo do Brasil. Tomara que não seja outra manifestação.

O legal é que esse curso foi basicamente uma extensão da oficina que fiz na semana passada. Até alguns colegas se repetiram. Ou seja, é um curso sem prazo de duração e sem lugar fixo, basicamente um colégio invisível.

Nenhum comentário: