domingo, agosto 09, 2015

A nota da loucura

Da primeira vez que alguém te perguntou o que você queria ser quando crescer, duvido que tenha respondido que seu sonho era ficar sentado atrás de uma mesa de madeira, suando sob o ar condicionado, passando dez horas por dia encarando o branco e o vazio de sua tela de computador, certo?
Lá no fundo, você sabe que tem alguma coisa errada. Eu sei, seus colegas sabem, seu chefe sabe, todo mundo sabe. Você quer gritar, jogar o notebook na parede, morder alguma coisa, matar alguém. Faz tempo que sinto a necessidade da selvageria. Antigamente, quando era mais fácil cultivar amigos, algo que me dava muito prazer era gritar. Qualquer coisa, em qualquer lugar, pra todo mundo ouvir. Pelo simples prazer libertador de gritar. Uivar pra lua. Correr e pular. Me fazia bom. Era um alívio pro meu estresse (que mal tinha razão pra existir naquela época.)
Hoje você se estressa e faz o que? Vai tomar um café.Uma bebida que africanos usavam pra aumentar a força de seus guerreiros. Se anima, ganha ânimo pra batalha, e volta a sentar sua bunda suada em uma cadeira giratória desconfortável. Você se sente um babaca. Se não sente, ao menos deveria, afinal somos atualmente uma sociedade de babacas. É bom admitir isso do princípio. Ganhamos dinheiro para ter o luxo de ser mais babaca que nossos coleguinhas. Sonhamos com quem vai ser o mais babaca. Compramos revistas pra saber quem é o babaca do momento. Acordamos babacas, e perdemos o sono preocupados se estamos ou não sendo babacas o suficiente.
Admito que, pelo menos uma coisa, os babacas originais criaram com perfeição. Sua prisão tem o melhor mecanismo de defesa do mundo. A prisão não tem portas nem janelas.Você é bem-vindo a se retirar a qualquer momento. Mas é aí que está o grande lance. Se você sair, estará sozinho. Não obstante, será julgado como um maluco por todos os outros babacas. 
Se todo mundo saísse, e voltasse a viver livremente, a prisão estaria extinta. Mas o genial (e triste) é que o número de babacas é sempre superior ao número de sonhadores. 
E existe um fator mais preocupante ainda: todo sonhador ama pelo menos um babaca. Todos os sonhadores tem pelo menos um babaca na família, em seu grupo de amigos ou está em um relacionamento amoroso com um. Não é um xingamento. Seria o mesmo que eu xingar alguém de nerd. Não é xingamento porque eu também me encaixo na descrição.
Além disso, as prisões são incríveis. Tem paredes com grafiatto, sofás de pena de pato, cerveja com gosto de trigo e notas de canela e até mesmo netflix. A comida então é tão sensacional que te deixa gordo demais pra que tenha vontade de se rebelar, gordo demais até pra que tenha vontade de sair de casa.
Bom, comecei a escrever tudo isso porque terminei recentemente "Clube da Luta" e pouco depois fiz uma visita sufocante a um shopping center burgues de São Paulo, coisas que me fizeram perceber o quanto a babaquice está no auge. "Todo mundo é juiz" é uma das forças principais desse movimento. Toda e qualquer atitude (transgressão ou não) é julgada com ódio e voracidade. Existe uma música tocando incessantemente e ela tem apenas uma nota: mi. 
As redes sociais tiram sua força do ódio. Todo mundo quer palpitar em qualquer coisa, por mais que não façam a menor ideia do que se trata o assunto. É de vital importância palpitar, principalmente se for pra criticar e falar mal.
A gourmetização, é a segunda força. Um conceito que pareceria ridículo para qualquer observador de fora de nossa época está mais forte do que nunca, "que tal pagar por 10x mais caro por esse hamburger que é no máximo 2x superior a um lanche normal? topo! porque não?". Um pão francês custa UM REAL na rua de casa. Um alface custa CINCO REAIS no mercado. Um picolé custa dez reais. Pipoca com canela custa vinte reais a lata. Um ingresso de cinema custa quarenta reais. Tenho certeza de que tem alguma coisa errada por aqui. O país está em crise, os restaurantes continuam cheios. 
Ostentação é a terceira grande força. Me senti completamente perdido ao observar as vitrines das lojas. Tinha jaqueta de cinco mil reais. Um Mickey de cristal de quatro mil reais. Uma tiara de cabelo de mil reais. Um par de brincos de trezentos mil reais. Quer dizer, se essas lojas existem é porque tem gente comprando certo? 
Mas mais que incomode alguém com tanto dinheiro pra gastar desse jeito, o que mais me deixa mesmo com a pulga atrás da orelha é o porque diabos alguém gastaria tanto com uma jaqueta. Se lobos andassem por aí e vissem poodles ou lhasas de fitinha no cabelo e dentes escovados, o que pensariam deles? Acho que sentiriam qualquer coisa menos inveja. Talvez rasgassem suas gargantas e mijassem em suas carcaças, mas aí talvez eu esteja esperando demais dos lobos. Só me pergunto uma coisa: se isso é evolução, deveríamos sentir qualquer tipo de orgulho de nós mesmos? 
A música continua tocando...
Eu continuo enlouquecendo...

Mi...mi...mi...
Mi...mi...mi...
Mi...mi...mi...

PS: Enquanto eu escrevia esse texto, meu Spotify cuspia algumas músicas que ouço faz tempo e que dizem muito sobre o que eu penso desse tema. Entre elas estavam "O Mundo" (Capital Inicial), The fear (Lilly Allen) e Pies Descalços (Shakira). Vai, me julga, fala que essas duas últimas músicas principalmente são uma merda, antes mesmo de se dar ao trabalho de procurar pelas letras, seu BABACA!

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