Nesse dia das mães, me peguei pensando na minha vó e no quanto ela foi uma segunda mãe pra mim. Quando eu era criança, passava tanto tempo na casa dela que meus amigos (o Foggy, que na época a gente ainda chamava de Jão e o Gustinho, que ainda chamava Tiago) tinham até o telefone da casa dela caso precisassem falar comigo.
A casa dela era minha segunda casa e eu adorava passar meu tempo por lá depois da escola. A casa era enorme, tinha o maior banheiro que já vi na vida até hoje (caso minha memória de criança não esteja me enganando), tinha uma pia no meio da copa (que me faz lembrar de lavar as mãos com frequencia desde sempre) e um quintal gigantesco com uma mesa de pedra no meio (que nunca era usada pra festas, a unica vez me lembro de usa-la foi pra subir enquanto fugia de um cachoro da minha tia).
Lá o sinal da tv aberta era melhor, então lembro que até pra ver Batman Animated ou Cavaleiros do Zodíaco a casa da minha vó era melhor. E o controle da tv era acoplado na televisão, o que eu achava o ser o ápice da tecnologia.
Quando chovia, minha vó sempre fazia bolinho de chuva. Então eu até torcia pelo mal tempo.
Também sempre tinha chocolate, mesmo que esse ficasse escondido no armário do quarto dos meus avós, trancado com uma chave de pé de coelho (que eu nunca descobri se era de um coelho de verdade ou não). No quarto também tinha um toca-fitas, mas não lembro dos meus avós ouvindo música. Eles usavam sempre pra colocar uma fita de relaxamento que os ajudava a pegar no sono.
Minhas tias "da capital" também viviam por lá, então eu sempre podia ver um filme em VHS de algo que não era próprio pra minha idade (como Jurassica Park) com minha tia Fátima ou ficar acordado até tarde pra ver Jô Soares com a tia Cristina.
Além disso, a casa tinha um ar meio mágico. Talvez por conta dos cofres espalhados (sério, cofres de pirata mesmo, com uns 2 metros de comprimento por uns 80cm de altura, dá pra imaginar o que isso faz com a cabeça de uma criança?), talvez por conta do quarto do tio ausente que ficava sempre fechado e era área proibida. Ou então porque a noite as vezes a gente ouvia pessoas pulando no quintal lateral, que tinha uma bananeira enorme, o que me fazia até ter um certo medo de ir ao banheiro durante a noite.
Minha vó gostava de fazer palavras cruzadas, que ela comprava na banca da rodoviária. Lembro que alguns dos meus primeiros gibis foram comprados naquele lugar, não só Cebolinha, Tio Patinhas ou Senninha, mas também meus primeiros gibis em formato americano dos X-Men, daquela mini do Claremont com o Jim Lee (que ano passado consegui autografar na CCXP!).E eu tinha até umas gavetas nos móveis da casa, pra guardar meus gibis e meu esqueleto de tiranossauro que brilhava no escuro.
A minha vó também estava sempre rezando. E a cada ano que passa, minha mãe fica cada vez mais parecida com minha vó.
Minha vó e meu avô também estavam presentes em cada apresentação de piano, de ballet, natação, flauta, formatura ou o que quer que fosse, minha ou dos meus irmãos. E uma das coisas que mais lembro da gente fazer é subir a rampa do teatro da Fundação, chegando mais cedo que qualquer um, pra guardar lugar na primeira fileira. Não sei como eles aguentavam, as apresentações eram tão chatas que uma vez eu mesmo dormi nos bastidores, antes de me apresentar, enquanto ouvia os outros e esperava minha vez de tocar teclado.
Almoçar na casa dos meus avós no domingo era sagrado. Praticamente uma continuação da missa que minha mãe ainda me obrigava a frequentar. E quase sempre o almoço era alguma massa (rondeli, conchilione ou algo assim). Nos dias bons, uma leitoa ou torta caseira de frango. Mas durante a semana também era bom, porque alem de bife, lá a Clarisse sempre fazia batat frita.
Eu sempre errava/trocava no interruptor as luzes da cozinha e da sala. Até um dia que a Cristina soltou um "Cuzinha! Cuzinha! O cu fica embaixo!". Depois dessa eu nunca mais errei.
A casa da minha avó era uma mansão. Tinha janelas grandes, uma verdadeira floresta ao fundo, com árvores de jabuticaba e se minha memória não estiver me enganando, até umas uvas no caminho pra garagem (durante algum tempo). Tinha uma escadaria na frente, uma sacada de onde meu vô passava boa parte do tempo vendo a cidade e uma bela biblioteca. Não sei qual era a coleção de que fazia parte, mas minhas histórias favoritas estavam em um livro que tinha uns quadrinhos curtos do Condorito, um personagem que só depois fui descobrir que era chileno e foi publicado pela primeira vez em 1949.
Uma vez, em um aniversário que fiz numa edicula (de 18 anos talvez?), minha vó estava conversando com a Maria e chorou ao lembrar da primeira vez que me segurou quando eu nasci. Ela falou com tanto carinho, que nunca me esqueci dessa cena.
Quando ela estava prestes a morrer, minha vó passou vários dias entubada na Santa Casa, com um problema pulmonar. No meio desse período, eu estava assistindo Smallvile uma noite e ligaram do hospital dizendo que ela estava melhor. Fomos pro hospital, só eu e minha mãe. Fazia dias que a gente só via ela entubada. Minha vó abriu um sorriso e comentou do quanto estava feliz por eu ter vindo vê-la.
Minha vó não tinha melhorado e depois que saímos, foi entubada novamente. Se eu fosse um pouquinho mais religioso, talvez até acreditasse que foi só porque eu rezei pra poder ver ela bem de novo que essa janela de oportunidade acabou aparecendo. Essa foi a última vez que falei com ela.
Hoje a casa da minha vó existe mais, as coisas que tinham lá dentro (inclusive as coleções de livro que eu adorava e a televisão com controle embutido) foram saqueadas por drogados e a construção foi demolida (pra que os drogados finalmente parassem de invadir). O lugar que eu amava virou um pedaço de nada no mundo real, mas continua existindo "exatamente" do jeito que era no terreno da minha memória.
Sempre que minha mãe lembra ou fala sobre a minha vó ela chora. O que é compreensível, já que quando minha vó faleceu, minha mãe perdeu sua melhor amiga.
Eu geralmente não penso muito sobre minha vó. Tento evitar. Se eu paro pra fazer isso, acabo chorando também.
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