sexta-feira, dezembro 10, 2010
É impossível sentar hoje numa praia sem ser incomodado por um dos milhares de vendedores que passam a todo momento oferecendo chapéus, tangas, óculos, tatuagens, pastéis, queijos coalhos, espetinhos de camarão, sorvetes e é claro, água de coco. São tantos que a gente acaba até ignorando a história triste de cada um e começa a se irritar com a presença deles. Até que chega um vendedor que chama sua atenção. O velho fantasma foi aquele que chamou minha atenção. Eu não sei quantos anos ele tinha, mas aparentava ter mais de sessenta, era um velho alto, calvo, de barba rala branca, magro que nem o diabo, que só tinha mais alguns dentes na boca e uns dois pelos brancos no peito. Ele aparentemente mal tinha força pra se agüentar de pé, mas passava todas as manhãs pelo nosso guarda-sol carregando uns 10 cocos nas costas e um facão tipo peixeira (ou machete) numa das mãos, que ele usava pra cortar a parte superior dos cocos pra servir a sua água. Nem carrinho ele tinha, era a água de coco mais quente que você podia achar em toda a praia, mas acho que as pessoas compravam assim mesmo, por dó, pra fazer a caridade do dia. Ele não era só magro e velho, mas alguma outra doença que eu não saberia dizer qual era também. Só mexia metade da boca, quando gritava “Olha o cooocoooo...” de uma forma tão lenta e mole, que mais parecia um fantasma assombrando as areais do litoral capixaba com seu eterno lamento. Era nosso terceiro dia de viagem em Guarapari, ES, e lá pelo finzinho da tarde, com o sol já se despedindo, eu estava sentado sozinho no quiosque terminando minha cerveja enquanto meus pais e meus irmãos já tinham voltado pro apartamento pra tomar um banho pra gente sair jantar a noite. Eu tinha ficado porque odeio ter que esperar por um chuveiro andando cheio de areia pela casa e o apartamento que meu pai tinha alugado só tinha três banheiros. Divisando então a praia em busca de alguma gostosa pra alegrar a vista, notei ao longe o velhinho fazendo o caminho contrário em direção a outra ponta da praia, arrastando seus pés pela areia ainda com uns sete cocos nas costas. Peguei o binóculos que meu pai tinha recebido uma vez de um paciente endividado como forma de pagamento e comecei a observar o vendedor de cocos no fim de sua rotina diária. Ele parou de frente a um pequeno trailer e depositou os cocos remanescentes em frente a pequena porta lateral. Dela desceu um senhor de meia idade, com cabelinho de surfista, gordinho, de camiseta cavada e óculos de sol, que ao ver os cocos começou a esbravejar com o coitado do velho. Eu estava longe demais pra escutar o que ele estava falando, mas parecia ser algum tipo de bronca. Era só o que faltava, o velho era mais esqueleto que gente e ainda tinha que aturar um filho da puta tirando vantagem do seu esforço e sofrimento, que ainda brigava com ele se as vendas do dia não fossem boas o suficiente. Mas ao que parece, o velho não entendia ou fingia não entender o que o outro homem estava dizendo, já que simplesmente lhe deu as costas e começou a empilhar os cocos que não tinha conseguido vender junto aos demais, uma enorme montanha de cocos verdes e amarelos encostada na lateral do trailer. Furioso, o dono da venda se postou na frente da pilha de cocos e continuou a xingar o pobre velhote. Então, com a mesma habilidade com que costumava abrir os cocos, com apenas um corte rápido e direto como o vento, o velho passou o facão que segurava em sua mão direita pelo pescoço de seu chefe, fazendo com que seu corpo caísse imóvel no chão instantaneamente, o sangue jorrando de seu pescoço tingindo de escarlate as areias da praia. Sua cabeça ficou pairando no ar, pois o velho a segurava pelos cabelos com sua mão esquerda. Em seguida, o velho gentilmente colocou a cabeça do homem no topo da pilha de cocos, e de facão na mão, foi se embora arrastando-se pela areia, sempre entoando seu eterno lamento de forma fantasmagórica “Ooooiaaaa o coooocooooo....”
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