quinta-feira, agosto 08, 2013

Coagulo

Fabio vivia sendo questionado por seus pais a respeito de seu trabalho. Formado em engenharia da computação, ele passava a maior parte do tempo trabalhando em casa. Programava websites e programas para grandes empresas e os vendia pela internet. Tinha diversos clientes que o pagavam muito bem, portanto nunca lhe faltava dinheiro e sempre chegavam diversas encomendas de produtos importados pelo correio em seu nome. O garoto era jovem, passava o dia todo trancado em seu quarto e mal conversava com os pais, mas saia com os amigos todas as noites e voltava tarde da madrugada, quando todos na casa já estavam dormindo. Seus pais achavam aquele comportamento muito estranho, e sempre desconfiavam das atividades do filho. Para eles, nascidos nos anos 50, trabalhar em casa não era trabalho e ponto final.
Numa tarde de quinta feira, o carro do pai de Fabio teve um problema na bateria e deixou de dar a partida, quando ele e a mãe do jovem,  estavam estacionados em frente a um banco no centro da cidade, pagando as contas do mês. Eles pagavam todas as contas pessoalmente no banco, não importando o tempo que perderiam em filas, nem que fosse muito mais cômodo fazer tudo pela internet. A mãe de Fabio não confiava em bancos, e muito, menos na internet. A televisão mostrava diversos golpes sendo aplicados na internet , nos quais muitas pessoas perdiam dinheiro em transações realizadas online. E na televisão, a mãe de Fabio confiava cegamente.
Fabio deixou a programação do website de uma grande rede de supermercados de lado por alguns instantes para prontamente buscar seus pais, assim que recebeu a ligação de sua mãe pedindo ajuda. Seu pai sentou-se no banco do passageiro ao seu lado e sua mãe no banco de trás, no qual havia um pacote transparente, com aproximadamente um quilo de pó branco, que sua mãe, treinada pela televisão em pericia criminal há anos, imediatamente identificou como sendo cocaína.
- Eu sabia! Eu sabia! Trabalhando honestamente o caramba! – Ela gritava do banco de trás.
- O que foi? – o pai de Fabio perguntou.
- Olha isso aqui, querido! Ele acha que me engana! Trabalhando em casa? Sei! Olha o que eu achei aqui, desavergonhadamente jogado no banco do carro.
 - Mãe, isso não eh o que você esta pensando – Fabio tentou explicar-se, tentando manter-se atento a direção e a conversa.
- Um filho meu traficante! Eu não acredito, eu vou tanto na Igreja, não acredito! – A mãe gritava, enquanto começava a desferir bofetadas na cabeça do filho.
- Mãe, para, eu estou tentando dirigir. – Fabio disse.
Mas já era tarde demais. Um segundo foi o suficiente. O garoto virou-se para trás tentando afastar os sopapos da mãe, desviando sua atenção da direção e perdeu o controle sobre o veiculo, fazendo com que o Golzinho prata que dirigia chocasse diretamente com um poste.  Os pais de Fabio sobreviveram, mas o garoto, único sem cinto de segurança na hora do acidente, bateu a cabeça com forca contra o vidro na hora do impacto e teve um hematoma intracraniano. Um coagulo de sangue formou-se em torno de seu cérebro e ele veio a falecer.
Na noite do acidente, vários de seus amigos receberam a noticia de sua morte ao mesmo tempo. Eles estavam reunidos na casa de um deles, com diversos ingredientes dispostos sobre uma mesa de jantar. Havia presunto, queijo, calabresa, manteiga, coco e chocolate. Para que eles começassem a preparar a comida, só faltava a goma de tapioca, que Fabio tinha se comprometido a levar.

Fato interessante (mas que não vai mudar em nada sua vida): escrevi isso antes de saber que a palavra “Tapioca”, em indígena, significava coagulo.

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