Samara tinha prometido a Ana que dessa vez não a deixaria sozinha. Entretanto, três doses de tequila e dois martinis depois, a primeira já havia encontrado um atraente rapaz cuja companhia se tornara gradualmente mais importante que a da amiga.
Era sempre assim quando as duas saiam juntas, não importava se estivam em uma festa da faculdade de Economia, em algum bar novo ou em uma viagem de férias em um país completamente desconhecido, como era o caso dessa vez.
Samara era a pessoa mais descontraída que Ana conhecia, um contraste perfeito para sua incurável timidez. A amiga tinha a capacidade de conversar com qualquer um, a qualquer hora, não fazendo diferença nem o idioma em que estavam a paquerando.
Por sua vez, Ana não conseguia ser assim, mesmo quando tentava e ingeria o máximo de vodka que seu organismo permitia. Não tinha problema, ela já estava acostumada, pelo menos durante o dia ela sabia que teria a companhia da amiga apenas para si.
Por volta de 23h, a caminho de pagar a conta no caixa, Ana jurou para si mesma que da próxima vez convenceria a amiga de que, ao menos, da próxima vez elas deveriam viajar para um país que falasse alguma língua mais fácil de compreender.
Antes que pudesse entregar sua comanda ao responsável, foi abordada por um belo e jovem rapaz.
Ele vestia camisa e calças brancas, um chapéu da mesma (ausência de) cor e óculos escuros. Um conjunto que faria com que ele parecesse um completo babaca caso ele não estivesse em um videoclipe musical dos anos 90 ou naquele belo local perdido no tempo. Naquela rústica vila de pescadores, localizada fora do continuum, ele parecia estar vestido de forma completamente casual.
O estranho não disse nada. Apenas colocou seu corpo entre o balcão do caixa e a garota, fechou os olhos e puxou delicadamente o queixo dela na direção de seu rosto.
E como se fossem antigos namorados, os dois se beijaram lenta e apaixonadamente, sem saber nem sequer o nome um do outro.
Ana pensou que talvez tenha sido melhor assim. Se ele tivesse tentado dialogar com ela, provavelmente ela teria dito não.
Palavras não eram necessárias.
Os dois sabiam muito bem o que desejavam e tudo o que esperavam das próximas horas que passaram juntos, bebendo juntos em outro restaurante, sentados em um banco de madeira na beira da praia ou fazendo amor no mar, com seus corpos sendo guiados apenas pelo balanço das ondas e pelo brilho do luar.
Na manhã seguinte, Samara passou horas contando detalhes desnecessários de cada momento de sua pequena aventura amorosa durante café da manhã que tomaram no hotel. Mas Ana mal prestou atenção no que a amiga falava, tudo no que conseguia pensar era no misterioso rapaz de branco.
Sentiu-se idiota por não ter nem perguntando o nome dele. E mais idiota ainda ao perceber que isso não faria nenhuma diferença. Suas férias acabariam em quatro dias e, ainda que ela o encontrasse novamente, aquele era um pensamento que não a levaria a lugar algum.
Durante a tarde, as duas amigas tomavam sol nas proximidades do hotel quando um vendedor de lembrancinhas aproximou-se de onde estavam deitadas e perguntou se elas não estariam interessadas em adquirir um olho de boto cor de rosa, lhes explicando que aquele era considerado um dos mais fortes amuletos na arte do amor.
Ana achou a ideia divertida e comprou uma peças, que imaginou se tratarem apenas de pedrinhas coloridas, enquanto Samara ria e fazia piadas do desespero da amiga.
Naquela noite, as duas conheceram uma nova balada, recomendada por um casal de hóspedes que conheceram no hotel.
Ana reencontrou o rapaz na festa, mas dessa vez ele parecia muito mais interessado em sua própria bebida do que em qualquer coisa que estivesse acontecendo ao seu redor.
- Oi - disse Ana, aproximando-se dele e puxando uma cadeira para sentar a seu lado no balcão.
- Oi - ele respondeu cabisbaixo. - Não notei que você estava por aqui.
- Ah, que bom - ela respondeu. - Fiquei com receio de que estivesse me ignorando de propósito.
- Eu não tive um dia muito bom - o garoto afirmou, ainda encarando o balcão.
- Ah, não fica assim - disse a garota, toda animada, revelando o amuleto na palma da mão. - Olha o que eu comprei hoje
O rapaz não esboçou nenhuma reação.
- É bonito, não é? - a garota perguntou, retirando uma das mãos do rapaz do copo de cerveja e depositando o amuleto em sua mão.
Ao sentir o toque do frio objeto circular na palma de sua mão, a expressão do garoto mudou completamente e a tristeza deu lugar a um súbito surto de ódio.
Ele arqueou as sobrancelhas irritado, e abriu a boca como se estivesse prestes a gritar com a garota.
Mas ao invés disso apenas controlou-se e se levantou para ir embora.
Essa atitude irritou a garota, que decidiu ir atrás dele e o puxou pela camisa antes que ele atingisse a porta de saída.
O garoto tentou a afastá-la e ela o empurrou de volta, fazendo com que os óculos escuros caíssem de seu rosto, revelando que suas cavidades oculares estavam precariamente costuradas com uma linha de pesca.
A garota estremeceu e o rapaz de branco aproveitou a deixa para ir embora.
Antes que Ana pudesse entender o que aconteceu, as férias acabaram. E entre as lembranças inesquecíveis que ela levava consigo da viagem, estava uma gravidez.
Acontece que nove meses depois, a bolsa de Ana ainda não tinha estourado. Todos os diferentes médicos que a garota havia visitado diziam que havia algo muito estranho com os resultados obtidos no ultrassom, mas nenhum conseguiu entender ou explicar exatamente o que havia de errado.
Onze meses depois, o corpo de Ana foi encontrado na banheira, nas condições mais bizarras que qualquer membro da equipe de criminalística já tinha encontrado em suas carreiras.
A garota faleceu de pernas abertas, com a maquiagem borrada de tanto chorar.
A cabeça de um filhote de boto cor de rosa despontava sem vida de sua virilha.
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