Um dos meus escritores favoritos atualmente é o Chuck Palahniuk (autor do Clube da Luta). Ele dá uns workshops de escrita online, e peguei alguns exercícios pra fazer. Na primeira aula, ele diz que existem dois métodos de fazer seu leitor ser fisgado pelo seu narrador: utilizando o narrador-cérebro ou o narrador-coração.
Para fisgá-lo pelo cérebro, você precisa ser técnico o suficente pra ele entender que você realmente é expert no assunto (algo que exige tempo e pesquisa).
Para fisgá-lo pelo coração, basta revelar algo pessoal e emocional, para que o leitor simpatize com sua sinceridade e, em seguida, passe a acreditar em tudo que você diz. Por mais que aquilo que venha a seguir não passe de uma grande mentira. Esse é o resultado do meu exercício no qual eu tento construir um texto com o "narrador-coração". Enjoy!
O colegial foi o melhor dos tempos. Ao mesmo tempo, foi o pior dos tempos. Uma época em que meus melhores amigos eram simultaneamente meus piores inimigos. Eu me diverti pra caralho e confiava neles, mas também vivia me preocupando com o fato de que a qualquer momento alguem poderia estar aprontando alguma coisa comigo. Mas a recíproca também era verdadeira. Eu não era nenhum santo. Não que fizéssemos algo grave, só brincadeiras idiotas (na maior parte do tempo), que (geralmente) não faziam mal a ninguém. Apenas o necessário pra modelar o caráter. Pra te deixar mais esperto.
Naquela época, por exemplo, todas as matérias eram reunidas em uma única e gigantesca apostila bimestral. Então os professores guiavam as aulas do dia pelos números indicados no canto inferior das páginas. Acontece que, se eu me descuidasse por um único minuto, alguém rapidamente passaria uma tesoura na borda de minha apostila e eu ficaria perdido até o início do próximo bimestre. E geralmente fazíamos isso no dia da entrega da apostila. Aprendi na marra a decorar onde os professores tinham parado na aula anterior.
Mochilas eram carregadas de pedras assim que o dono delas desviasse o olhar. Ou pior. Alguém viraria as próprias lixeiras das salas de aula dentro das mochilas. E você poderia chegar em casa com cascas de banana ou restos de chocolate melecando seu moletom. No primeiro ano, aprendi que mochilas eram um item supérfluo.
Aviões de papel carregados com pó de giz sobrevoavam a classe. Os uniformes brancos geralmente voltavam pra casa cheios de manchas coloridas. Aprendi a desconfiar de qualquer coisa suspeita que passasse voando próxima a minha carteira.
Se alguém dormia na aula, poderia acordar sem pertences, queimado, com um chapéu de palhaço e bilhetes nas costas. Assim aprendemos a dormir sonos leves, como caçadores de vigia numa selva.
Piadas ruins eram punidas com murros nos braços. Em um tempo em que minhas maiores inspirações na vida eram Chandler Bing e Jerry Seinfeld. Todos meus amigos tinham os braços roxos, aqueles roxos de boxeador, com as bordas amareladas, que nossos piores inimigos jamais deixariam. Era nosso próprio Clube da Luta. Gosto de pensar que, com o tempo, aprendi a ser mais engraçado e a pensar mais antes de falar.
Estojos eram colados nas carteiras (com cola ou pregos), e isso quando a própria carteira onde eu sentava não era sorrateiramente levada pra fora da sala enquanto eu saía pra dar uma mijada. Ao retornar pra classe, não havia mais lugar para sentar. Tínhamos que estar preparados pro imprevisível.
Diz a lenda que alguns chegavam a mijar no catchup da cantina. Isso eu não posso confirmar, mas ainda assim, sempre optei por não usar nada no meu salgado.
Bebidas batizadas com laxante, carros movidos de lugar no estacionamento graças ao esforço comum de seis sacanas, cigarros explosivos, cuecas no ar condicionado, pelos queimados com isqueiros. Bons tempos.
Houve uma única vez que me deixou irritado de verdade. Estávamos fazendo um churrasco durante o inverno na casa de um amigo. Alguém decidiu usar o banheiro externo da edícula, que ficava próximo da churrasqueira. Me apontaram uma escada, disseram pra eu subir no telhado do banheiro e, lá de cima, molhar o cagão com a mangueira através da janela. Me senti o rei da malandragem. Só que assim que eu cheguei no telhado, os mesmos filhos da puta que me deram a brilhante ideia retiraram a escada que eu deixei apoiada na parede, me deixando preso lá em cima. E quem tomou um banho gelado, num frio de lascar, fui eu.
Fiquei com vontade de pular, mas o telhado do banheiro era muito alto. Eu ia me quebrar inteiro. Assim, fiquei tomando baldes de água na cabeça até que meus amigos se cansassem da piada. Quando finalmente me deixaram descer, eu estava tão irritado que a bebedeira já tinha passado e voltei andando, emburrado e sozinho para casa (que ficava a uns 8km de distância). No fim, admito que até essa foi uma boa lição. Aprendi a não tentar querer ser mais esperto que os outros.
Hoje, no "mundo dos adultos politicamente corretos" não convivo mais com amigos que pregam peças uns nos outros, que vivem se julgando e criticando duramente qualquer atitude fora do normal. E sinceramente sinto falta disso. Com o tempo, sinto que fiquei mais mole, mais despreparado pra vida (que é na verdade muito mais sacana que meus amigos).
Se ainda tivesse alguém me criticando sempre que eu comesse uma única batata frita a mais, como costumávamos fazer uns com os outros antigamente, quem sabe eu não teria engordado tanto depois de deixar o colegial.
De qualquer forma, isso não importa. Essa história não é sobre como eu sobrevivi sem meus amigos. Esse é o relato do dia em que, graças a uma de nossas brincadeiras, uma garota morreu.